A Evolução do EMDR – Parte 4

5 de abril de 2015

Continuação da entrevista com a Dra. Francine Shapiro – Parte 4

Imagem:Agnes Cecile

Morte por Mil Cortes

RW. No meu próprio consultório, a ampla maioria dos pacientes não vêm para fazer a terapia de EMDR. Eles chegam com outros problemas da vida – ansiedade, depressão, problemas de relacionamento, etc – e então eu lhes apresento o EMDR. É olhando para a imagem alvo atual, a fonte atual da ansiedade, que depois leva à associação com as memórias passadas de verdadeiros traumas. Mas outra fonte de trauma é a reação do ambiente social ao trauma. Como o exemplo que você acabou de dar, a avó da mulher, em sua descrença, foi outra fonte de trauma além do abuso. Essa é uma consideração comum na maioria das terapias de trauma- não se trata apenas do trauma, é a reação dos outros ao trauma que piora as coisas, logo eu penso que esse seja um componente importante. Tudo está interconectado.

F. O TEPT tem sido usualmente pensado como uma resposta a traumas graves – terremotos, estupro, abuso sexual, combate, etc. Mas as pesquisas atuais demonstram claramente que experiências da vida em geral podem causar mais sintomas de TEPT do que traumas graves. Experiências de infância, humilhações, divórcio, conflitos domésticos – essas coisas podem ser a origem de TEPT  crônico.

RW. Morte por mil cortes. Todos os micro traumas que vão se acumulando.

F. Não precisa sequer de ser acumulada. Você pode ter eventos isolados de infância, como um alguém ser empurrado, ser deixado para trás, ser humilhado na escola, ser motivo de chacota. Qualquer um desses eventos pode ser armazenado no cérebro com sentimentos e pensamentos terríveis de: ‘Eu não sou bom o suficiente’. ‘Eu não posso ter sucesso’. ‘Eu não tenho poder’. Eles podem ficar trancados e controlar as pessoas pelos próximos 30 anos. Então é importante que as pessoas tenham alguma compaixão por elas mesmas e não simplesmente descartem sua ansiedade ou  depressão ou insegurança apenas porque não sabem de onde elas vieram. Muitos de nós simplesmente não nos lembramos porque é um evento de infância que se perdeu no passado, e nós não reconhecemos que os problemas que estamos tendo nos relacionamentos e no trabalho são influenciados por esses eventos distantes.

Há também muitas pesquisas que mostram o impacto negativo que os pais podem provocar na saúde de seus filhos ao longo da vida. Houve um estudo feito por Kaiser Permanente que mostrou claramente que experiências adversas na infância eram a causa  principal não apenas de doenças mentais em adultos, mas também de problemas de físicos de saúde – câncer, problemas de pulmão, etc. Então eu penso que precisamos ser mais conscientes de como essas experiências estão sendo  armazenadas em nossos cérebros e constantemente nos bombardeando de sentimentos negativos que afetam não apenas nossas mentes mas também nossos corpos. Esses problemas são facilmente transferidos para as crianças porque as pesquisas demonstram claramente que mães que sofreram de transtorno de estresse pós-traumático são mais susceptíveis de maltratar suas crianças – não intencionalmente, elas simplesmente reagem mais severamente.

As pesquisas também revelam que experiências altamente perturbadoras ocorridas até dois anos antes do parto podem impedir que a mãe se vincule a seu filho, o que tem efeitos extremamente negativos. A depressão materna é um dos fatores que o Kaiser Permanente identificou como causadores desses efeitos negativos de longo prazo em adultos, porque mães deprimidas não conseguem se vincular a seus filhos. Não são apenas os traumas graves que constituem o problema – todos os tipos de experiências podem produzir efeitos negativos de longo prazo em indivíduos.

RW. Isso certamente é corroborado por todos os avanços modernos da radiologia e imagem que foram realizados, nos quais vários processos autônomos – não apenas o corpo mas também o cérebro – demonstram que reagem durante interações negativas com pessoas. Há toda essa cascata de atividades – tudo desde cortisol a pressão alta, a resposta da pele, a mudança de fluxo sanguíneo  ao córtex frontal e a amígdala. Todos nós temos essa estimulação simpática em relação às interações traumáticas.

Qual é a última pesquisa sobre como o reprocessamento neurológico realmente funciona?

F. O processamento de EMDR parece ligar-se aos mesmos processos que ocorrem durante o sono de movimento ocular rápido. O sono REM processa os eventos do dia para fazer com que eles façam sentido, e os move da memória episódica para a memória semântica, na qual você pode lembrar-se do que aconteceu, mas não tem mais aquelas emoções e sensações físicas trancadas na memória. Até que isso ocorra, o evento fica armazenado na  memória episódica, que parece ser disparada com o TEPT.

As pessoas que têm TEPT frequentemente acordam no meio de um pesadelo. Trata-se do cérebro tentando processar o evento, mas como ele é muito perturbador, então elas acordam no meio dele. O que a terapia de EMDR parece fazer é levar o cérebro além do que ele é capaz de ir em seu estado natural. O movimento ocular atinge a memória de trabalho e estimula os processos de REM, que permite uma rápida mudança nas imagens, emoções, cognição e sensação.

RW- Uma possível analogia fisiológica seria como a insulina produzida por carboidratos faz com que os poros das células de gordura se abram e recebam a gordura, e é apenas quando temos proteínas que as células se abrem e a gordura sai, para que possamos perder peso. De forma semelhante, há um tipo de destracamento das sinapses onde as memórias dos traumas estão armazenadas. A ansiedade tem que diminuir, mas há algo sobre o movimento bilateral que não apenas permite que a memória seja armazenada, mas também se conecta com os sentimentos atuais, mais racionais e mais seguros, que dão às pessoas o sentido de identidade e segurança. Ele conecta e dessensibiliza a memória, que perde seu poder, enquanto que a situação atual ganha poder. O sentido de self atual ganha poder.

F. O que nós dizemos  é que chega-se a uma resolução adaptativa. O que é útil para esse evento é incorporado e o aprendizado acontece. O que é inútil deixa-se ir embora, então as emoções, sensações físicas e as crenças negativas basicamente desaparecem. Mas é diferente do que o conceito de `extinção´ empregado nas terapias comportamentais cognitivas, no qual a pessoa é solicitada a descrever a memória em detalhes como se estivessem a revivendo,  assegurando-se de que eles não pensem em nada mais, apenas permanecem lá com aquela memória. Isso permite que a dessensibilização ocorra, mas a memória original que está sendo o alvo não muda; ao contrário uma nova é criada. A teoria é que a pessoa estava com uma perturbação devido a um comportamento de evitação – eles não se permitiram ficar com ela porque eles acreditam que irão ficar malucos, que irão morrer. E quando o terapeuta  faz com que  eles contem a história repetidamente, eles percebem que não  irão morrer, e isso cria uma nova memória que compete com a antiga – mas a antiga ainda está  lá.

Com a terapia de EMDR, há uma breve exposição na qual a pessoa é levada a pensar sobre a memória, movimentar os olhos por cerca de 30 segundos, e então você especificamente permite associações. Os pacientes frequentemente migram para outra memória. Parece que a memória original é transformada quando essas conexões são feitas, e então armazenada nessa forma modificada. Eles não mais se sentem péssimos consigo mesmos. A memória transformada é armazenada e a forma original passa a não mais existir. Nos chamamos isso de ´reconsolidação`, não extinção. Então`, com a terapia de exposição, a memória original ainda está lá, mas na terapia de EMDR a memória original não está mais lá em sua forma antiga. Isso pode ser responsável por certas diferenças que nós vimos no tratamento.

Por exemplo, houve um estudo comparando a terapia de exposição  e a terapia de EMDR para aqueles que tiveram um luto complicado – sofrimento intenso que não estava mudando. Quando alguém morre de repente, muito frequentemente a pessoa enlutada continua a ter imagens negativas, pensamentos negativos da pessoa morrendo, vendo-a em agonia, culpa sobre o que deveria ter sido feito, que poderia ter sido feito, etc. Quando os indivíduos foram tratados com a terapia de EMDR e com a terapia de exposição, o EMDR foi mais rápido e obteve melhores resultados. Curiosamente houve o dobro de lembranças positivas do morto depois do tratamento com a terapia de EMDR, em relação a terapia de exposição. O fato de que a memória original ainda estava intacta pode ser a razão para isso.

Outro exemplo é o tratamento com a terapia de EMDR da dor do membro fantasma, na qual vítima de acidentes e ex-combatentes que perderam membros em experiências traumáticas continuam a sentir dor em um membro que não existe mais. O que encontramos nos artigos até agora publicados é que ao identificar o trauma no qual a perna foi ferida, por exemplo, e processando com o EMDR, no final do tratamento 80% das pessoas não sentiam mais qualquer dor ou ela havia sido sensivelmente diminuída. Nenhuma outra forma de terapia relatou a eliminação de dor crônica  do membro fantasma.

Um último exemplo. Em um tratamento com psicóticos que haviam passado por um trauma, ao serem tratados com a terapia de EMDR que focalizou o trauma, não somente foram os sintomas de TEPT eliminados, mas a maioria daqueles que iniciaram com alucinações auditivas relataram que elas desapareceram no final do tratamento, que durou apenas umas seis sessões. Isso nunca havia tido relatado com a Terapia Comportamental Cognitiva. Então há muito mais a explorar na próxima década.

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