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Como funciona o EMDR? Por André Monteiro, Presidente da EMDR Brasil

16 de fevereiro de 2024

Nossos cérebros procuram dar sentido aos eventos/informações importantes para a sobrevivência (senha da conta bancária) e armazena essa informação de modo adaptativo: basta precisar da informação que ela se encontra prontamente disponível. O cérebro também descarta ativamente outras informações desnecessárias, menos significativas (o que almoçou no sábado da semana passada?).

Esse processo de administrar as informações varia de pessoa para pessoa: as lembranças podem ser agrupadas em redes de memórias, considerando seus componentes (sons, cheiros, imagens, pensamentos, sensações físicas e emoções ligados àquele momento especial) ou temas (todas as ocasiões em que encontramos determinada pessoa). Essas redes de memória estão organizadas como uma impressão digital: cada pessoa tem uma configuração específica. As informações de cada lembrança são tratadas da mesma maneira? Não.

Para ilustrar essa diferença: se uma vivência foi emocionalmente muito intensa (o primeiro beijo), essa lembrança fica em nossa consciência por mais tempo. Se a intensidade for ainda mais elevada, excessiva, como em uma situação em que exista risco de morte, o sistema de aprendizagem do cérebro pode se sentir sobrecarregado, encontrar dificuldades de encontrar um sentido, um significado e arquivar essa recordação (“não consigo tirar da cabeça aquela cena do atropelamento”). É como carregar peso exagerado na academia, sem preparo: ficamos doloridos por alguns dias, até machucados. Na maioria das vezes, depois de um tempo, a dor passa. Em memórias traumáticas não.

Imagens, sons ou cheiros com uma conexão ou semelhança a um evento traumático podem ativar, ‘disparar’ essas memórias armazenadas de forma mal- adaptativa. Diferentemente de outras memórias usuais, as memórias traumáticas podem despertar reações de medo, ansiedade, raiva ou tristeza, culpa, vergonha, mesmo quando nada no presente justifique essas emoções. Se após algumas semanas as reações emocionais e físicas continuam presentes, vamos diagnosticar um transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Pessoas com essas recordações involuntárias do passado (flashbacks) descrevem sentir como se estivessem revivendo o evento perturbador. Parte do passado mistura-se com o presente.

Novas experiências difíceis podem reativar experiências traumáticas anteriores e intensificam a fragilidade da pessoa para enfrentar seus desafios de vida. Isso acontece não apenas com eventos que você pode se lembrar, mas também com memórias suprimidas, que saem da consciência. Assim como se aprende a não tocar em um fogão quente porque queima a mão, a mente tenta suprimir memórias para evitar acessá-las, porque são dolorosas ou perturbadoras, ou porque foram vividas em tenra infância. No entanto, essa supressão não é perfeita. É como uma parte machucada de nosso corpo. No dia a dia não nos lembramos daquilo, até que pequena batida traz uma dor aguda nos relembra de sua existência.

O cérebro funciona de modo semelhante. A lembrança de uma vivência traumática equivale a uma ferida que o cérebro encontra dificuldades para superar. A intensidade foi tão grande para o sistema de aprendizagem que todos temos, que mesmo passada a ameaça, persiste o receio. Podemos dizer que a amígdala cerebral, principal responsável pelo monitoramento dos perigos do ambiente, segue ativada, não volta a um estado de equilíbrio.

Esse modelo teórico de aprendizagem que empregamos na Terapia EMDR é chamado de PAI – Processamento Adaptativo de Informação. Trata-se de um modelo de como o cérebro armazena memórias e de como podemos tratar delas. Esse modelo propõe que o cérebro armazena memórias normais e traumáticas de maneiras diferentes. As memórias bem processadas organizam-se como parte da biografia: “Eu vivi isso e essas lembranças me dizem quem sou”. Memórias parcialmente processadas, no entanto, não se integram à biografia da pessoa: “Não preciso nem pensar e já me sinto tomado, do mesmo modo que no passado, como se aquilo de ruim tivesse acontecido ontem, em vez de há muitos anos.” Segundo esse enquadre teórico, os problemas de saúde mental são vistos como “resultantes de perturbações no processamento e armazenamento mal-adaptativo de informações”, não nos eventos traumáticos em si.

A terapia EMDR estrutura-se segundo um protocolo de 8 Fases. Um protocolo equivale a um roteiro, um mapa para terapeutas melhor ajudarem os pacientes a reprocessar a informação dessas memórias perturbadoras que não se encontram plenamente integradas, digeridas.

Quando avaliamos e reconhecemos a estabilidade básica do cliente, estabelecemos um plano de ação de modo colaborativo: “Em relação a seus sintomas e queixas atuais, de onde será que vêm as dificuldades de enfrentá-las e deixá-las no passado?”

Promovemos uma investigação das memórias que a pessoa consegue acessar e escolhemos um ponto de partida: uma memória-alvo a ser reprocessada. Por meio de passos específicos do protocolo (Fase 3), ativamos a memória-alvo e iniciamos com a estimulação bilateral visual, tátil e/ou auditiva (movimentos de vai- e-vem oculares, toques alternados em cada ombro, ou sons alternados em cada ouvido). O paciente é instruído a ter uma atitude de curiosidade e auto-observação nessa fase. Trata-se de uma forma de meditação, em que pacientes não precisam se esforçar para qualquer mudança, apenas observar. Por vezes as mudanças são sutis (alívio na respiração, leveza no peito), mas podem ser mais intensos (vontade de chorar, aperto na garganta, lembranças que ficam mais nítidas, emoções, pensamentos inesperados), ou por vezes, aparentemente nada acontece. Acompanhamos os pacientes e monitoramos o nível dessa intensidade, para que permaneça dentro do razoável: sem emoção demais, nem racionalização demais – um estado intermediário (dentro de uma janela de tolerância emocional e física).

Usualmente a lembrança traumática perde força e passa a ser relembrada com redução na nitidez das imagens (“consigo me lembrar, mas parece mais distante no passado”); dessensibilização da emoção (“sei que foi um momento muito difícil, mas não me sinto tão mal ao lembrar-me disso”); e ligação a redes de memórias positivas com mudanças cognitivas no autoconceito (reprocessamento): “o que vivi foi difícil, mas agora verdadeiramente sinto que já passou e hoje reconheço ser uma pessoa capaz, suficientemente boa, que merece coisas boas”. Experiências que antes desencadeavam respostas negativas podem se tornar menos perturbadoras após o tratamento com EMDR. Quando uma memória é completamente reprocessada, ela informa, mas não controla a pessoa. A ativação da capacidade inata do cérebro para o processamento adaptativo de informações, de constante atualização da biografia do indivíduo ao seu presente é o foco principal da terapia EMDR.

Após intervalo entre uma sessão e outra, retornamos à Fase 8 do protocolo clássico: reavaliar, em parceria com os pacientes, como a memória-alvo trabalhada na última sessão se encontra agora e quais mudanças/ resistências a pessoa observou em sua rotina, desde a última sessão. Portanto, reprocessar memórias traumáticas apenas não basta. Na terapia EMDR queremos incentivar a capacidade integrativa dos pacientes: de levar as conquistas do reprocessamento para suas vidas e implementar mudanças.

  • por André Monteiro, presidente da Associação de EMDR do Brasil

 

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